ARTIGO: Lei em terra sem leis – a indústria brasileira de leis

*Quem nunca ouviu a expressão: “Deputado tem que criar e votar leis”? Quem, aliás, nunca falou essa frase? Certamente, é o pensamento da maioria das pessoas que, muitas vezes incentivadas pela mídia, acredita que a função de um parlamentar é restrito à uma das indústrias que mais produzem no Brasil, que á a “indústria da lei”. O poder Legislativo tem, entre suas atribuições, a criação de leis sim – embora o serviço de fiscalização feito pelo parlamento é de extrema importância. Mas a população não pode nem deve aceitar que seus representantes no poder usem o tempo de seu mandato apenas para ficar criando normas. Ainda mais porquê, de que adianta tanta lei se grande parte delas não são aplicadas?

Nestes dias, pessoas têm vindo a mim para contar que há algum tempo deixaram de ouvir a pergunta: “só até o automático?” quando chegam em um posto para abastecer o veículo. Isso me dá muito orgulho, afinal, encher o tanque “além do automático” faz mal à saúde do frentista, ao meio ambiente e ao próprio veículo. E graças uma lei de minha autoria, hoje, no Distrito Federal, está proibido colocar combustível além do chamado automático, evitando que a válvula de segurança dos carros se estrague; evitando que os frentistas fiquem expostos ao vapor que sai da bomba de combustível, causador, inclusive de câncer; e evitando a emissão desses gases na atmosfera. Este é um exemplo de uma lei que foi criada durante o meu mandato, sancionada e que efetivamente, serve para melhorar a vida das pessoas.

Porém, a criação da lei que chamo de “Lista Limpa da Saúde”, por exemplo, nunca foi efetivamente cumprida. Por isso, mesmo com todo o meu empenho e luta para aprovar a lei – que obriga o GDF a revelar com dados oficiais os nomes dos médicos que estão de plantão em cada unidade de saúde; a quantidade de remédios que há no estoque, além dos leitos de UTI disponíveis e os utilizados em cada hospital público –, essa ideia, que ajudaria muito a população que necessita da rede pública de saúde do DF, não consegue sair do papel. Lamentavelmente.

Em um dos últimos levantamentos divulgados, por exemplo, mostrou que o nosso país criou 75.517 leis, somando legislações ordinárias e complementares estaduais e federais, além de decretos federais em 10 anos. Exatamente isso: exatas 6.865 leis por ano, ou 18 leis por dia. Não tirando a importância deste papel, de criar leis que beneficiem a população, é claro, mas será que a pauta do poder Legislativo ainda deve ser esta? De ficar produzindo leis atrás de leis? Não estaria na hora – ou passando da hora, na verdade – de, além de pensar em regras para a sociedade, de fiscalizar se essas regras estão sendo cumpridas? Se estão sendo colocadas em prática? Se fazem parte da estatística de leis que não são regulamentadas, leis que não são aplicadas ou, simplesmente, leis que não “pegaram”? Eu creio que é hora de chamar todos à conscientização.

Ao Legislativo, vale pensar e repensar em seu papel e não ceder à tentação de “ganho de espaço midiático”, evitando a produção quase em série, de leis. Muitas delas desnecessárias – ou alguém não se lembra da lei que obrigava a todo motorista ter um kit de primeiros-socorros dentro dos carros sendo que em caso de acidente, a recomendação e não fazer primeiros-socorros e sim, chamar os Bombeiros? Ao Executivo, vale pensar e repensar a independência dos poderes e não ceder à tentação do “manda quem pode, obedece quem tem juízo”, evitando o desgaste de, muitas vezes, não sancionar leis importantes ou, quando sancioná-las, fazer com que sejam cumpridas – como a minha lei da lista limpa da saúde, que tanto serviria para a população, entre outras tantas que só existem no papel. Por fim, vale lembrar que o cidadão também tem seu papel importante que é o de cobrar que leis criadas e aprovadas sejam cumpridas por todos os poderes: o executivo, o Legislativo e o Judiciário. Afinal, é para a sociedade que as leis são feitas.

Que se inicie um novo tempo em que a “lei de Gerson”, onde vale a esperteza, seja trocada pelo respeito às leis de verdade. Sem “jeitinho” na criação de leis folclóricas ou para beneficiar apenas alguns interesses particulares. Sem “empurrar com a barriga” esperando que um dia, quando Deus der bom tempo, tal lei passe a valer, efetivamente. O mínimo que se pode esperar dos governantes é que cumpram as leis ou as revoguem. E da sociedade, que exercite sua cidadania. A cidadania plena que tem a ver com direitos e direitos que só valem quando respaldados por leis eficientes, eficazes e, sobretudo, aplicadas diariamente.

 Por Liliane Roriz - Deputada Distrital
Fonte: Liliane Roriz

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