
Já o governo mineiro concordou em negociar a partir da oferta
Por Léo Rodrigues - Repórter da Agência Brasil | Edição: Aline        Leal
      A proposta apresentada pela mineradora Samarco e suas        acionistas Vale e BHP Billiton em meio às tratativas para um novo        acordo de reparação dos danos causados no rompimento da barragem        ocorrido em 2015 foi recusada pela União e pelo governo do        Espírito Santo. Há duas semanas, as mineradoras ofereceram        destinar mais R$ 90 bilhões para as medidas reparatórias.
      Para a União e o governo capixaba, houve retrocesso em relação        à proposta anterior, discutida em dezembro de 2023. Uma nota        conjunta divulgada nesta sexta-feira (3) aponta que os recursos        financeiros ainda estão distante do necessário.
      Além disso, indica que as mineradoras desconsideraram questões        que já haviam sido acordadas e pleiteiam "condições        inadmissíveis".
      "O aumento do valor ofertado pelas empresas para financiar as        medidas de reparação foi feito em conjunto com uma redução        drástica nas obrigações que as mineradoras já haviam concordado em        assumir durante as negociações", diz o texto. A nota cita que a        nova proposta prevê uma retirada dos rejeitos depositados no Rio        Doce muito inferior ao que estava sendo discutido, transfere para        o poder público a obrigação de recuperar nascentes e áreas        degradadas e encerra o gerenciamento de áreas contaminadas. Além        disso, também menciona a desobrigação de reparar danos futuros ou        ainda desconhecidos que estão relacionados, por exemplo, com a        saúde das populações nas áreas atingidas.
      Procurado pela Agência Brasil, o governo mineiro adotou        posicionamento diverso e avaliou que houve avanços na nova        proposta. Manifestou interesse em negociar com base nela, mas        acrescentou que irá solicitar ajustes às mineradoras.
      "Embora tenha havido evolução nas discussões técnicas, o        Governo de Minas entende que a reparação do desastre de Mariana só        é possível com a adoção de medidas para reparação às pessoas e aos        municípios atingidos em prazo mais rápido", diz o texto. O governo        também afirma que busca uma solução que traga justiça efetiva e        rápida para os atingidos e que não medirá esforços para que as        mineradoras sejam integralmente responsabilizadas.
      O rompimento da barragem da Samarco, localizada no município de        Mariana (MG), ocorreu em 5 de novembro de 2015. Na ocasião, cerca        de 39 milhões de metros cúbicos de rejeitos escoaram pela Bacia do        Rio Doce. Dezenove pessoas morreram e houve impactos às populações        de dezenas de municípios até a foz no Espírito Santo.
      Em março de 2016, foi firmado um Termo de Transação e        Ajustamento de Conduta (TTAC) estabelecendo uma série de ações        reparatórias. O documento trata de questões variadas como        indenizações individuais, reconstrução de comunidades destruídas,        recuperação ambiental, apoio aos produtores rurais, etc. Todas as        medidas são conduzidas pela Fundação Renova, criada com base no        acordo. As mineradoras são responsáveis por indicar a maioria dos        membros na estrutura de governança da entidade.
      Passados oito anos e seis meses do episódio, ainda há diversos        problemas não solucionados. Tramitam no Judiciário brasileiro mais        de 85 mil processos entre ações civis públicas, ações coletivas e        individuais. Em busca de uma solução, negociações para uma        repactuação do acordo de reparação dos danos se arrastam há mais        de dois anos.
      Tratativas
      As discussões são conduzidas em mesa instaurada no Tribunal        Regional Federal da 6ª Região (TRF6) e mediada pelo desembargador        federal Ricardo Machado Rabelo. A União e o governo capixaba já        comunicaram a posição ao magistrado. Informaram que mantêm o        interesse em prosseguir com as tratativas, desde que novas        propostas estejam próximas ao texto alinhado em dezembro do ano        passado, sem nenhuma revisão drástica de pontos já discutidos.
      Na época, as partes chegaram a afirmar que haviam chegado a um        consenso em torno das principais cláusulas, mas que permaneciam        divergências sobre os valores. Até então, as mineradoras só        concordavam em destinar R$ 42 bilhões. Os governos pleiteavam R$        126 bilhões e tinham o apoio das instituições de Justiça que        também compõem a mesa: Ministério Público Federal (MPF) e pela        Defensoria Pública da União, além dos ministérios públicos e das        defensorias públicas dos dois estados atingidos.
      Quando apresentou a nova proposta há duas semanas, as        mineradoras sustentaram se tratar de R$ 127 bilhões. Seriam R$ 90        bilhões em novos aportes - sendo R$ 72 bilhões em dinheiro e R$ 18        bilhões em custeio de medidas a serem implementadas pela própria        Samarco - e mais R$ 37 bilhões que já teriam sido investidos ao        longo dos últimos oito anos no processo reparatório.
      Esse cálculo também é criticado na nota conjunta divulgada pela        União e pelo governo capixaba. "Não interessa à repactuação os        valores alegadamente já gastos pela Fundação Renova ou o valor que        as empresas estimam gastar com as obrigações de fazer que        remanescerão responsáveis".
      Em nota, a BHP Billiton afirmou que segue disposta a buscar,        coletivamente, soluções que garantam uma reparação justa e        integral às pessoas atingidas e ao meio ambiente. A Samarco também        divulgou comunicado e disse permanecer aberta ao diálogo em busca        da conclusão das discussões sobre a repactuação. "A empresa        acredita que todas as partes chegarão a um acordo que beneficie        diretamente milhares de pessoas, dezenas de municípios, a União e        os estados de Minas Gerais e o Espírito Santo", registra o texto.
      As tratativas têm ocorrido em reuniões sigilosas. O MPF afirma        manter diálogo com as comunidades locais para encontrar soluções        que os contemplem, mas entidades que representam os atingidos        cobram participação na mesa de negociação. Elas também criticaram        a nova proposta das mineradoras. "Milhares de famílias atingidas        enfrentam diariamente graves violações de direitos humanos. E,        mesmo assim, a mineradora que comete reiterados crimes        socioambientais, não está na condição de ré, mas na posição        privilegiada de definir valores e pautar como a reparação deverá        ser feita", registra nota divulgada pelo Movimento dos Atingidos        por Barragem (MAB).
      A entidade também apresenta suas estimativas. "Um crime da        dimensão do ocorrido na Bacia do Rio Doce, cujos danos recaem        sobre 49 municípios, três estados e mais de 2 milhões de pessoas,        não demandará menos que R$500 bilhões para uma reparação        socioambiental integral".
      Processos judiciais
      As mineradoras apresentaram a nova proposta cerca de três meses        após sofrerem uma derrota em âmbito judicial. Diante das        dificuldades para o fechamento de um acordo de repactuação, as        instituições de Justiça, lideradas pelo MPF, vinham pleiteando        desde o ano passado que fosse julgada parte dos pedidos formulados        em ações civis públicas que buscam a reparação. A expectativa era        de que houvesse uma decisão final ao menos para determinadas        questões, envolvendo inclusive indenizações.
      O pedido foi parcialmente atendido em janeiro deste ano. A        Justiça Federal condenou a Samarco, a Vale e a BHP a pagar R$ 47,6        bilhões para reparar os danos morais coletivos causados pelo        rompimento da barragem. As mineradoras recorrem da decisão.
      Além das discussões nos tribunais brasileiros, o caso também        chegou às cortes britânicas. Descontentes com o processo        reparatório no Brasil, cerca de 700 mil atingidos decidiram buscar        justiça fora do país e processam a BHP Billiton, que tem sede em        Londres.
      Representados pelo escritório Pogust Goodhead, eles cobram        indenização por danos morais e materiais. São listadas perdas de        propriedades e de renda, aumento de despesas, impactos        psicológicos, impactos decorrentes de deslocamento e falta de        acesso à água e energia elétrica, entre outros prejuízos. O        processo tramita desde 2018 e as audiências que avaliarão as        responsabilidades pela tragédia estão marcadas para outubro deste        ano.
      O escritório Pogust Goodhead também incluiu na ação        reivindicações de 46 municípios, além de empresas e instituições        religiosas. Frente a esse cenário, as mineradoras querem incluir        na proposta de repactuação uma condição para o repasse de recursos        às cidades atingidas: as prefeituras deveriam realizar uma adesão        formal ao novo acordo, pela qual desistiriam de ações judiciais        que tenham movido.
    


