Advogado Danúbio Cardoso Remy, mestre em Direito Público e Eleitoral, analisa impactos das mudanças
A disputa eleitoral deixou de se limitar às ruas e comícios. Hoje, o palco central da política brasileira é o ambiente digital. Vídeos curtos, transmissões ao vivo, conteúdos impulsionados e, mais recentemente, produções sintéticas com uso de inteligência artificial passaram a ser determinantes na formação da opinião pública e no destino das campanhas.
Nesse novo cenário, duas decisões recentes mudaram o jogo: de um lado, o Supremo Tribunal Federal (STF) redefiniu a interpretação do artigo 19 do Marco Civil da Internet; de outro, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) reforçou, por resolução, as obrigações específicas das redes sociais no período eleitoral. O resultado é um regime de maior responsabilidade tanto para quem administra plataformas quanto para candidatos e equipes de campanha.
Em junho de 2025, o STF concluiu o julgamento dos Temas 987 e 533 da repercussão geral e declarou parcialmente inconstitucional a leitura restritiva do artigo 19 do Marco Civil, que até então limitava a responsabilidade das plataformas ao descumprimento de ordem judicial. Agora, a Corte estabeleceu parâmetros para responsabilização em situações qualificadas, como na circulação de conteúdos manifestamente ilícitos ou em casos de risco grave à coletividade. Na prática, ampliou-se o dever de cuidado das empresas, afastando a noção de que havia uma espécie de imunidade até ordem judicial expressa.
Para o advogado Danúbio Cardoso Remy, especialista em Direito Público e Eleitoral, a mudança acompanha a evolução tecnológica e o peso cada vez maior das plataformas digitais no processo democrático. “A inteligência artificial e as redes sociais trouxeram um novo poder de alcance e manipulação da informação. Era impensável que permanecêssemos com um modelo de quase absoluta irresponsabilidade até decisão judicial. O que vemos é o Judiciário se ajustando ao impacto tecnológico para proteger o processo eleitoral e, por consequência, a própria democracia”, afirma.
Segundo ele, a tendência é que as campanhas precisem se adaptar rapidamente. O uso de IA, embora inovador, também carrega riscos inéditos, como a proliferação de deepfakes e manipulações sutis de imagem e áudio. “O desafio será equilibrar liberdade de expressão, inovação tecnológica e a necessidade de coibir abusos que possam distorcer a vontade popular. A responsabilidade das plataformas aumenta, mas também cresce a responsabilidade dos atores políticos no uso dessas ferramentas”, pontua.
Na avaliação de Remy, o próximo ciclo eleitoral pode ser um divisor de águas: “Quem não compreender que a arena digital é o coração da disputa política estará em desvantagem. Porém, essa disputa deve ocorrer dentro de limites claros, sob a vigilância da Justiça Eleitoral e com um papel mais ativo das plataformas. É um caminho sem volta”.